Blog Clipping
domingo, agosto 03, 2003
 
Fonte: O Primeiro de Janeiro, 31 de Julho de 2003

Os blogs
Paulo Mendo*

São recentes. Ainda não se sabe se serão blogs ou blogues. Chegaram há meses e estão em vias de invadir o País. Abençoada invasão.
Alguém, alguma força, alguma empresa, não sei quem, criou um método simples, rápido e gratuito de obtenção de uma página na Internet, oferecendo assim a quem quiser um bloco de notas permanentemente utilizável, permanentemente aberto à leitura de todo o mundo, tornando atractivo e desejado o outrora tão vulgarizado "diário" ( como era a correspondência, a "carta"), mas agora em campo aberto concorrendo e dialogando com quem estiver interessado.
E a juventude, não só, mas principalmente, aderiu em peso. Em menos de um ano mais de um milhar de "blogs" surgiram na Internet, auto criando regras de comportamento que poucos violam: textos cuidados, referência e ligação às fontes citadas, total liberdade de assuntos, prioridade das ideias sobre julgamentos de intenções, em suma, um comportamento civilizado e culto assumido e defendido pela grande maioria.
Temos assim em pleno desenvolvimento uma área de cultura viva, em que ideias, posições, comentários, estudos, críticas nascem diariamente, criam disputas, suscitam questões, em ambiente de entusiasmo e de camaradagem intelectual, que se está a tornar visita diária indispensável dos cada vez mais internautas deste mundo.
E digo deste mundo porque o fenómeno é mundial e o leitor pode "passear" pelos blogs ingleses ou franceses ou americanos com a mesma facilidade e rapidez com que acede ao blog do seu vizinho.
Belo exemplo de mais uma benéfica faceta da globalização, tão criticada pela "reacção"! E o que acabo de dizer fez-me lembrar como é medrosa e inconsistente a posição frequente de velhos e gente de meia idade que dizem nada saber, nem querer saber, dessas coisas do computador, rematando: isso é para os meus filhos.
Aos meus leitores que ainda assim pensam devo-lhes dizer que estão muito enganados.
A ideia de que os computadores obrigavam a conhecimentos especiais sobre o seu funcionamento e programação vem da era pré Internet.
O aparecimento no mundo desta rede universal, que permite a qualquer um ligar o seu computador a essa rede como se liga ao telefone e desde então poder falar, enviar mensagens escritas, textos, fotos, música, para todo o mundo a custos iguais aos que pagaria por uma simples chamada telefónica para o vizinho da rua, veio tornar o computador muito mais útil, mais barato e de mais fácil execução que um qualquer telefone ou aparelho fax.
Ideal, por isso, também para os mais velhos. A Internet veio dar precisamente aos mais temerosos e ignorantes do funcionamento dos computadores a possibilidade de o utilizarem de uma forma mais rápida, mais fácil e muito mais cómoda do que, até agora, exige o ir comprar o jornal, buscar o livro à estante ou andar à procura de uma referência bibliográfica.
A Internet serve por isso todo o mundo, mas é especialmente ajustada a quem não sabe nem quer saber nada de computadores, mas tem interesse pela leitura dos jornais, pela informação diária do que se passa, pela leitura de um bom livro.
Ora o aparecimento dos blogs, da blogosfera, veio dar ao pacato cidadão, interessado no que se passa, mas não disposto a calcorrear livrarias e quiosques, a possibilidade de "folhear" autores, pensadores e escritores de todo o mundo sem ter que se levantar da cadeira.
Os jovens estão a construir um templo virtual da cultura , cuja qualidade, seriedade, variedade de temas e elegância da forma o tornam ideal para a ocupação cultural também da terceira idade a que pertenço
Que quando quiser pode também fazer o seu próprio blog ou participar e intervir nos blogs que lê.
Com toda a comodidade e a um muito baixo custo. Seria agradável o ver surgir nesta blogosfera áreas de comparticipação e diálogo entre gerações e blocos de notas de gente velha, o que ainda não aconteceu. Por agora a presença é fundamentalmente de jovens.
Jovens cujas raízes culturais sofrem já a adaptação do mundo e da Europa à língua inglesa e à cultura anglo saxónica, sendo raríssima uma referência a um autor francês como raríssima é uma citação em francês.
E eu, que cresci, como todas as gerações que me precederam, embalado pelos autores franceses, pela cultura francesa, pela grandeza de França, em que Camus, Sartre, Merleau Ponty, Raimond Aron e tantos outros eram os nossos guias, depois dos enciclopedistas, em que o l’Express, o Nouvel Observateur, o Monde, eram de leitura indispensável, sinto nesta juventude que se manifesta nos blogs, que as novas fontes culturais já não estão em França, que é o inglês que impera e que, cada vez mais, o mundo hegemónica se desloca para ocidente, sendo no universo anglo saxónico que se encontram, se descobrem e vêm nascer os pensadores actuais, em que são referências as grandes tradições liberais e se assiste a uma fecunda actividade cívica intelectual em que a nossa juventude participa.
E ainda bem. Quem disse que a juventude é rasca?

*Médico, ex-ministro da Saúde

>
 
Fonte: Público, 31 de Julho de 2003.

Blogue Blogue
Por EDUARDO PRADO COELHO
Quinta-feira, 31 de Julho de 2003

Duas realidades têm emblematizado este Verão. Não me refiro aos habituais incêndios, que permitem sempre a qualquer oposição dizer que faria melhor do que qualquer Governo, nem ao segredo de justiça, nem ao caso da Universidade Moderna, nem à demissão do chefe do Estado-Maior do Exército, que, ao que parece, "perdeu a confiança" no ministro, nem à questão da duração da prisão preventiva ou da extensão das escutas telefónicas. Também não estou a pensar na incapacidade em se encontrar armas de destruição maciça no Iraque, no sofrimento aparentemente sem saída do exército americano ou nas dificuldades de Blair envolvido numa história sinistra. Falo, sim, de duas realidades mais modestas e contudo extremamente importantes: os blogues e o chá verde.

Qualquer delas aparece como um bom "tema" para reportagem nos jornais e revistas. Fiquemos hoje pelo blogue. Ele corresponde à criação de espaços na Internet onde uma pessoa ou um grupo de pessoas se sente autorizado a escrever sobre todos os assuntos que lhe interessarem. O formato dos textos é extremamente variável, podendo ir da simples frase assassina à longa deambulação evocativa, da citação oportuna à polémica mais militante. Alguns dos autores gostam de ser identificados, outros escolhem os enredos imaginários dos pseudónimos ou heterónimos, suscitando mesmo inquéritos quase policiais. É neste âmbito que de vez em quando um jornal ou um amigo suspeita de que eu seja autor de um blogue. Devem pensar que vivo numa dimensão temporal inacessível aos humanos... Diga-se de passagem que nem mesmo leio com regularidade os blogues dos outros. Não tenho tempo.

Toda a questão está no autor do blogue "sentir-se autorizado a". Outrora era complexa a malha das legitimações que nos permitiam ter acesso ao concorrido espaço mediático. Tínhamos de começar por tarefas modestas, agora uma recensão a um livrinho sem importância, agora um acontecimento musical, agora a reportagem de uma viagem às Maldivas. Pouco a pouco ia-se pondo à prova a capacidade de escrita, mas sobretudo mostrava-se que a nossa escrita podia ter leitores. Passávamos a uma colaboração regular e daí a uma presença assídua e responsável. O autor ia aos poucos estabelecendo um pacto de confiança com os leitores. Tinha reacções por carta ou mesmo na rua, recebia correspondência, influenciava as vendas dos livros ou discos, contribuía para encher as salas de cinema. O momento mais compensador tem a ver com o facto de nos atribuírem um glorioso papel justiceiro: o senhor, que escreve nos jornais, tem de escrever sobre esta escandaleira!

Os blogues passam por cima de tudo isto e entra-se de imediato nas matérias. Não é preciso articular muito bem os textos. Pode ser uma observação verrinosa, um comentário sardónico. Pode usar toda a agressividade que quiser, porque isso faz parte das regras do jogo. É possível que se esteja a formar uma nova forma de intervenção ou novos processos de produção e exposição do pensamento. É possível que seja um mero fenómeno de moda e que mais tarde possamos dizer: houve um verão em que só se falava em blogues, lembram-se? Mas é um facto que surgiu um novo dispositivo, uma nova maneira de participar na cena pública, um novo tom, uma outra energia. Para quem acredita que o lugar onde se escreve condiciona o que se pensa e escreve isto pode ser um verdadeiro acontecimento.

>

Powered by Blogger